Somalilândia: A lança africana de Taiwan
Taiwan assinou recentemente um acordo para abrir uma representação na Somalilândia, no Corno de África. Uma relação que reflecte a nova política diplomática da Formosa, focada em parcerias com outras democracias de estilo ocidental, mas que já foi criticada pela China.
“Somalilândia, penso que este é o início de uma linda amizade”, escreveu, no início do mês passado, no Twitter, Kolas Yotaka, porta-voz do Gabinete da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-Wen. A publicação, que vinha acompanhada de um ‘gif’ da lendária cena final do filme “Casablanca”, surgiu após a inauguração da representação oficial da Somalilândia na capital da ilha, Taipé, no seguimento de um acordo anunciado oficialmente a 1 de Julho.
Mas as relações entre os dois países têm vindo a evoluir “há pelo menos uma década”, disse ao EXTRAMUROS Scott Pegg, professor de ciências políticas na universidade norte-americana Indiana University–Purdue University Indianápolis. O acordo reflecte a aposta de Tsai Ing-Wen numa política diplomática “mais baseada em valores, trabalhando para reforçar relações – tanto oficiais como não-oficiais – com países com pontos de vista comuns”, disse ao EXTRAMUROS Jessica Drun, membro do ‘think-tank’ Project 2049.
Isto após Taiwan ter perdido nos últimos anos uma mão cheia de aliados diplomáticos, que preferiram estabelecer relações com a China continental. No caso de São Tomé e Príncipe, por exemplo, a Formosa acusou o país africano de exigir “uma quantia astronómica” para continuar a apoiar a ilha.
Também a Somalilândia, região que declarou a independência da Somália em 1991, procura “uma relação simbiótica” com Taiwan, uma vez que ambos são democracias “viradas para o Ocidente, mas isoladas”, disse ao EXTRAMUROS Michael Rubin, investigador do ‘think-tank’ American Enterprise Institute.
O Presidente do país do Corno de África, Musa Bihi Abdi, quer usar as relações com Taiwan para ajudar a cimentar a Somalilândia junto da comunidade internacional, analisa Rubin. “E, de facto, a Casa Branca pelo menos reparou”, acrescenta o analista.
O Conselho Nacional de Segurança da Presidência dos Estados Unidos elogiou o acordo entre os dois países, numa publicação no Twitter. Um passo que levou a imprensa da Somalilândia a sonhar com um eventual reconhecimento do país por parte de Washington.
Mas o reconhecimento diplomático da Somalilândia por parte dos Estados Unidos é “um sonho impossível”, diz Michael Rubin. Scott Pegg concorda, mas diz que é agora mais realista esperar visitas de oficiais norte-americanos à Somalilândia, semelhantes à recente deslocação do Secretário de Estado da Saúde, Alex Azar, a Taiwan.
“O reconhecimento da Somalilândia tornou-se quase que como um mantra sagrado, como se pudesse resolver todos os problemas do país”, refere Scott Pegg. “Mas não mudaria o tratamento das mulheres, os muitos homens viciados em khat [uma droga], nem o facto de que se trata de uma nação dedicada à pecuária e seriamente afectada pelas mudanças climáticas”, acrescenta o académico.
Investimento à espreita
Por outro lado, diz Jessica Drun, a Somalilândia poderá ser um mercado atractivo para o sector privado de Taiwan. Empresários e investidores dos dois lados “têm relações de cooperação de longa data”, que poderão sair reforçadas com o estabelecimento de laços não-oficiais, refere a analista de ascendência taiwanesa.
O país africano já tem capacidade produtiva, mas “necessita de investimento para gerar empregos e desenvolvimento”, diz Michael Rubin.
A Somalilândia “está desesperada por investimento externo” e há potencial em áreas como a agricultura, pesca, fornecimento de combustível e produção de bens de consumo, acrescenta Scott Pegg, um perito em estados não reconhecidos internacionalmente.
Durante a inauguração do gabinete de Taiwan na capital da Somalilândia, Hargeisa, o novo representante de Taipé no país, Lou Chen-hwa, apontou a exploração mineira, a educação, tecnologias de informação e a saúde como outras áreas de cooperação.
A Somalilândia assinou um acordo com o Fundo de Taiwan para a Cooperação e Desenvolvimento Internacional e Scott Pegg acredita que é na saúde pública que o impacto poderá ser maior.
Se Taiwan tem sido elogiado pela forma como enfrentou a pandemia da Covid-19, diz o norte-americano, o país africano “praticamente não tem um serviço operacional e viável de saúde”. O envio de equipas médicas e transferência de equipamento e conhecimento de Taiwan poderia ser “transformativo”, acrescentou Scott Pegg.
O que de certeza não vai acontecer, diz Michael Rubin, é a abertura de uma base militar taiwanesa na Somalilândia. A possibilidade, também levantada pela imprensa local, criou receios sobre possíveis tensões no futuro com a base chinesa no vizinho Djibouti.
Há pouco interesse em tal projecto no país africano, disse ao EXTRAMUROS Omar Mahmood, analista sénior da Somália para o International Crisis Group, isto após no ano passado o governo ter decidido transformar um aeroporto militar criado pelos Emirados Árabes Unidos em Berbera num aeroporto civil.
Além disso, o exército de Taiwan “não tem planos de destacamento avançado e está focado em primeiro lugar em defender” a ilha do Exército de Libertação Popular Chinês, sublinha Jessica Drun.
O que Taiwan precisa, mais do que uma base, é um porto seguro a partir do qual possa fazer negócio para o interior de África e o corredor que liga Berbera à Etiópia oferece isso, nota Michael Rubin.
Incentivos rejeitados
A reacção de Pequim não se fez esperar, com o Partido Comunista a acusar a Somalilândia de não respeitar a integridade territorial da China. Ainda assim, diz Omar Mahmood, a aproximação a Taiwan obrigou a China a dar muito mais importância à Somalilândia.
O embaixador chinês na Somália fez mesmo uma rara deslocação a Hargeisa para tentar convencer as autoridades locais a mudar de ideias, com promessas de investimento em infra-estruturas e abertura de um gabinete de ligação.
No entanto, diz Scott, o país africano acredita que terá mais ganhar de Taiwan do que da China. O regime chinês investiu bastante no vizinho Djibouti e, por isso, não tem qualquer interesse em que o porto de Berbera, na Somalilândia, se desenvolva ao ponto de ser um verdadeiro rival, explica o analista.
A China assinou também um acordo de cooperação com a Somália que prevê que navios chineses patrulhem águas ao largo da Somalilândia. Mas Scott Pegg não acredita que isso seja um obstáculo para o investimento vindo de Taiwan.
“A China não tem muito incentivo para andar a afundar navios de pesca taiwaneses que são bem-vindos lá”, diz o analista. “Suspeito que, após uma vaga de protestos ritualistas, não veremos actos de confronto”, considera Pegg.
Tanto Jessica Drun como Scott Pegg acreditam que a China irá continuar a tentar seduzir a Somalilândia. No entanto, sublinha Michael Rubin, uma vez que o país africano não deve dinheiro a Pequim “não há muito que a China possa fazer”.